“Falam do mar como de um adversário, de um lugar ou mesmo de um inimigo. Entretanto, o velho pescador pensava sempre no mar no feminino e como se fosse uma coisa que concedesse ou negasse grandes favores; mas se o mar praticasse selvagerias ou crueldades era só porque não podia evitá-lo” (p.32).

Escrito por Ernest Hemingway[1] em 1952, “O Velho e o Mar” é apontado como uma de suas obras-primas, responsáveis por seu Prêmio Pulitzer em 1953 e o Nobel de Literatura em 1954[2], prêmios dedicados aos mais magníficos trabalhos literários. Essa obra de grande sensibilidade tem origem em sua vivência em Cuba, país que morou por mais de 20 anos (entre 1939 e 1960) [3] e o cenário que se desenrola essa história.

O livro é bem curto, pouco mais de cem páginas, mas consegue envolver o leitor de uma maneira que terminada a leitura a reflexão se prolonga e faz repensar os significados de suas entrelinhas. Ainda que indique uma história carregada de simbolismo, a narrativa se apresenta de forma simples, leve e fluída. Criamos grande cumplicidade com o protagonista, sentindo suas angústias, medos, esperanças, e o acompanhando nessa jornada tão solitária. Participamos então de uma incrível aventura em alto-mar, que consegue ser mais que uma história de pescador, pois em todos os momentos nos remetemos aos próprios desafios que enfrentamos ao longo da vida. Por isso mesmo, se trata de uma leitura capaz de despertar tantas emoções.

“O Velho e o Mar” conta a história de um pescador chamado Santiago. De origem simples, é um pescador experiente e solitário, que passa pela pior tragédia para qualquer pescador, não consegue pescar por um longo período de tempo, sendo então motivo de zombaria em sua comunidade. Até um jovem amigo e aprendiz, teve que abandoná-lo por ordem de seus pais que temiam que o azar do velho fosse contagioso. Assim, julgado e isolado, o velho Santiago mesmo após 84 dias sem conseguir pescar sai perseverante em busca de um milagre: “o que aconteceu é que acabou a minha sorte. Mas, quem sabe? Talvez hoje. Cada dia é um novo dia. É melhor ter sorte. Mas eu prefiro fazer as coisas sempre bem. Então, se a sorte me sorrir, estou preparado” (p.35).

Nesse dia, se depara com um peixe anormalmente grande que se apresenta como um desafio a ser vencido. Com 5 metros de comprimento, a batalha com esse peixe, maior que o próprio barco, é o que move essa história.

Afastando-se cada vez mais da costa, Santiago persegue o peixe, luta que se prolonga por vários dias, exaurindo suas forças e as do peixe. O personagem luta contra a fragilidade de seu corpo velho, cãibras, fome, cansaço, sono. Mas apesar de todas as adversidades, nos dá uma lição de nobreza, dignidade e justiça. “Gostaria de poder alimentar o peixe”, pensou. “ele é como se fosse meu irmão. Mas tenho de matá-lo e ganhar forças para fazê-lo” (p.62).

Durante a batalha, podemos ver a própria humanidade do personagem, que se conecta a natureza e tem máximo respeito por seu oponente. Santiago tem consciência da própria insignificância diante da natureza, seus valores o fazem pensar que para pescar esse maravilhoso espécime é necessário ser merecedor. “Nunca vi nada mais bonito, mais sereno ou mais nobre do que você, meu irmão. Venha daí e mate-me. Para mim tanto faz quem mate quem, por aqui” (p.91).

Apesar de muitas vezes se sentir enfraquecido diante desse desafio, Santiago tem ambições, quer mostrar seu valor e capacidade através de uma luta justa, da qual a paciência é um dos seus maiores trunfos. Enquanto espreita no barco, seus pensamentos voam para longe, refletindo sobre sua existência, seus feitos na juventude e os sonhos que ainda conserva. Assim, mesmo se sentindo pequeno diante da imensidão do mar, está disposto a firmar seu lugar no mundo.

A história de Hemingway é repleta de sutilezas, a sua essência não repousa no ato de “conquista” ou mesmo, em vitórias ou derrotas, e sim em quais os caminhos percorridos, quais sacrifícios são feitos em seu nome, principalmente como nos dedicamos, sentimos esperança, nos sentimos merecedores e dignos de alcançar êxito diante dos desafios. Por isso mesmo que este livro nos permite pensar na vida, especialmente nos obstáculos e dificuldades. A nossa postura diante desses episódios revela muito do que somos como seres humanos, é nesse sentido que a figura do velho Santiago nos inspira. Ainda que a velhice e o cansaço apresentem grande peso em sua condição, ele não hesita antes de entrar na maior batalha da sua vida. Sendo assim, o desfecho dessa obra nos é surpreendente, o autor nos convida a desvendar nossa própria força, capacidade de resistir e alcançar nossos sonhos, ao mesmo tempo nos previne que há sempre novos desafios à frente.

[1] Já resenhamos aqui “Adeus às Armas”: https://letracapitularblog.wordpress.com/2017/03/26/adeus-as-armas-a-inevitabilidade-da-guerra-e-a-fragilidade-do-amor/

[2] The Nobel Prize in Literature 1954 – http://www.nobelprize.org/nobel_prizes/literature/laureates/1954/

[3] No rastro de Hemingway em Cuba: http://jornalggn.com.br/blog/jota-a-botelho/o-rastro-de-hemingway-em-cuba

2 comentários em “O Velho e o Mar: Uma história sobre desafios, esperanças e a própria sensibilidade humana

  1. Excelente resenha! Fiquei curioso para ler o livro, principalmente pela análise feita na sensibilidade humana que podemos analisar em vários aspectos psicológicos e sociais! Parabéns pela resenha!

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